Em 8 de setembro de 2004, um ano e meio depois da invasão ao Iraque, o príncipe Charles enviou uma carta de oito páginas ao então primeiro-ministro britânico, Tony Blair.
O herdeiro do trono abordou, entre outros temas, os recursos para bancar a operação militar na época e possíveis problemas no uso dos helicópteros Lynx em altas temperaturas.
“Temo que seja mais um exemplo onde nossas Forças Armadas estão sendo chamadas a fazer um trabalho extremamente desafiador (particularmente no Iraque), sem os recursos necessários”, escreveu o príncipe, assinando de próprio punho.
Veja abaixo trechos dela em inglês:
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Naquele período, o governo de Blair (Partido Trabalhista) sofria críticas da então oposição conservadora sobre a capacidade militar britânica naquela guerra, considerada hoje um desastre político pelos trabalhistas.
Blair respondeu a Charles, dizendo que o Ministério da Defesa havia “reconhecido” os problemas apontados, mas que estava em busca de soluções, incluindo mais recursos financeiros.
Essa carta de Charles foi revelada nesta quarta-feira (13) entre outras 26 correspondências trocadas por ele com integrantes do alto escalão do governo de Blair entre 2004 e 2005.
A divulgação dos documentos só ocorreu depois que, em março, a Suprema Corte determinou a sua liberação após uma disputa de dez anos na Justiça entre o jornal “The Guardian” e o governo britânico.
Com base na Lei de Acesso à Informação, o jornal havia solicitado o material, mas o governo negou sob a alegação de que se tratava de assuntos privados do príncipe com as autoridades. Reeleito semana passada a mais um mandato, o atual primeiro-ministro David Cameron (Partido Conservador) sempre se posicionou contrário à publicação dos documentos.
Pelas regras britânicas, os membros da família real britânica devem ter um papel cerimonialista, distante de assuntos políticos, como forma de neutralidade para não interferir nos assuntos do Parlamento eleito pela população e responsável pelas leis.
Segundo a BBC, a rainha Elizabeth 2ª, por exemplo, não pode demonstrar apoio político a nenhum partido, embora nada impeça que ofereça conselhos (o que ela também evita fazer, ao menos publicamente).
A publicação das cartas tem um caráter muito simbólico e relevante historicamente porque abre, pela primeira vez, um pouco dos bastidores da relação da monarquia com o governo, além de mostrar que Charles, sucessor direto do trono, pode ter tentado influenciar na rotina política.
O debate é controverso no Reino Unido sobre qual é o limite de ação de um monarca. O príncipe, hoje com 66 anos, é visto como um sucessor que tende, ao contrário da mãe, a se posicionar publicamente sobre temas relevantes caso um dia se torne o rei.
Em outras mensagens a ministros de Blair, Charles aborda a pressão de grandes redes varejistas sobre agricultores, a qualidade das comidas oferecidas nas escolas, políticas públicas de saúde, o combate à pesca ilegal, entre outras coisas. (clique aqui para ler todos os documentos).
O jornal “The Times” desta quinta-feira destaca um apelo dele na época para o atraso da implementação de novas regras da União Europeia que aumentava o rigor na prescrição de medicina alternativa, tendo recebido uma resposta positiva do então ministro da Saúde e do próprio Blair de que o tema seria protelado.
O material mostra que Charles recebia retorno dos ministros sobre suas sugestões. “Eu sempre valorizo e aguardo com expectativa seus pontos de vista, particularmente sobre tópicos agrícolas”, escreveu Blair em uma carta de resposta.
A assessoria do príncipe lamentou a decisão da Justiça e disse que isso fará com que Charles se “iniba” em expressar suas preocupações sobre os temas do país.