O líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband, está numa posição mais favorável para se transformar primeiro-ministro do Reino Unido após as eleições de quinta-feira (7), avalia o especialista em política britânica Sean Kippin, da London School of Economics (LSE).
Em entrevista à Folha, ele comenta o cenário dessa que promete ser a eleição local mais imprevisível desde a Segunda Guerra Mundial.
Kippin explica que o Partido Conservador, do primeiro-ministro David Cameron, deve ficar em primeiro lugar em termos de cadeira no Parlamento. As pesquisas apontam algo em torno de 270 lugares para os conservadores entre os 650 (clique aqui para ver a projeções do jornal “The Guardian).
No entanto, ele ressalta que Cameron deve ter dificuldades em obter uma maioria para governar, mesmo que tente repetir a coalizão com o partido Liberal-Democrata, legenda que perdeu força desde as últimas eleições, em 2010.
O SNP (Partido Nacional da Escócia) tende a ser a grande sensação das eleições e levar quase todas as 59 cadeiras escocesas em Londres (hoje tem apenas seis). Como terceira força do Parlamento, pode decidir o jogo a favor dos trabalhistas mesmo que Miliband relute na campanha em admitir uma negociação com os escoceses, ressalta o especialista.
Ele também destaca a contradição cada vez maior do sistema eleitoral do Reino Unido em que o candidato mais votado de cada um dos 650 distritos é eleito membro do Parlamento – desconsiderando os votos totais obtidos por um partido em todo o país.
Kippin edita o “Democratic Audit“, blog de políticas públicas da LSE.
Veja abaixo trechos da conversa com a Folha:
Como o sr. vê esse cenário eleitoral tão imprevisível?
Kippin – O sistema político britânico tem se fragmentado nas últimas décadas. Em 1955, 95% dos eleitores votaram nos Conservadores ou nos Trabalhistas. Em 2010, isso caiu para 65%. Em 2015, deve diminuir ainda mais, embora possa ficar estável. Graças a mudanças na estrutura econômica e no paradigma das classes dominantes, a política tem mudado. O Reino Unido, como muitas democracias europeias, tem hoje um cenário político mais plural. Como o sistema foi criado com foco em dois partidos e governos majoritários, o crescimento de partidos menores acaba criando distorções no resultado da eleição. Por exemplo, o Ukip (extrema-direita), segundo as pesquisas, pode chegar a 15% dos votos e ganhar apenas duas ou três cadeiras de 650. Está ficando cada vez mais difícil justificar nosso sistema. É um cinismo político que também cria uma situação onde os jovens estão hostis ou desinteressado em política.
Na sua opinião, qual o mais provável governo a ser formado após as eleições?
Kippin – Do jeito que as coisas estão, a balança favorece Miliband. A matemática eleitoral é muito desafiadora para David Cameron e o Partido Conservador, apesar do provável status de maior partido (em termos de cadeira) no “hung parliament” (que é quando o parlamento está fragmentado, sem maioria).
Isso por causa da oposição do SNP (Partido Nacional Escocês), que deve levar a maioria das cadeiras da Escócia e tem prometido deixar os conservadores fora do poder. Significa que, apesar de ser o maior partido, os conservadores poderão ficar fora do governo.
É improvável que a atual coalizão (Conservadores e Liberal-Democrata) consiga mais que 320 cadeiras ou uma maioria. Ou seja, os trabalhistas começarão numa posição mais forte, mesmo que o líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband, descarte uma coalizão ou um pacto com o SNP, provavelmente por causa do discurso de campanha dos conservadores de que essa aliança seria um “caos” para o Reino Unido (porque o SNP defende a separação da Escócia). Provavelmente, Miliband vai mudar essa posição se seu objetivo é se transformar em primeiro-ministro.
Como o sr. vê a atuação de Cameron e Miliband em termos de política externa?
Kippin – Ambos são menos interessados do que os dois antecessores. Cameron tem prometido um plebiscito sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, embora isso seja também política doméstica. Críticos alegam que ele tem se esforçado pouco em construir relações e coalizões com outros países europeus, o que tem diminuido a influência do Reino Unido. Além disso, os políticos britânicos estão numa fase de afastamento após a Guerra do Iraque e a retirada de tropas do Afeganistão. Os temas na União Europeia têm se focado em torno de assuntos econômicos e na zona do euro, e como o Reino Unido não integra o bloco da moeda única, é compreensível que a Alemanha tome a liderança desses assuntos.