Provavelmente, enquanto escrevo esse texto, centenas de cidadãos de países como Mali, Senegal, Nigéria, Costa do Marfim e Somália estão cruzando o mar Mediterrâneo em botes e barcos precários. Tem sido assim durante todo o ano de 2014.
O cálculo é simples e assustador: levando em conta os 163 mil resgatados entre janeiro e novembro deste ano, são, em média, 488 pessoas por dia se arriscando pelas águas, debaixo de oscilação de temperaturas, rajadas de vento e falta de comida. É dramática a situação.
Como me disse um dirigente da Organização Internacional de Migração (OIM), não se trata de uma emergência de invasão de imigrantes a um continente (no caso, o europeu), mas de uma emergência pela forma com que estão chegando – aumentou quase quatro vezes de um ano para o outro.
Durante a viagem que fiz com o fotógrafo Avener Prado pela região italiana da Sicília (retratada no especial “Travessia Clandestina” nesta semana aqui na Folha), ficou claro que o maior desafio não é tentar resgatar os imigrantes e abrigá-los no continente europeu – até porque muitos, temendo não receber status de refugiado, preferem escapar e viver na clandestinidade.
A principal missão está do outro lado do mar. Antes de tudo, combater os aliciadores na Líbia, que vendem o falso sonho da terra prometida de uma Europa em crise – uma tarefa nada fácil diante do descontrole político que tomou conta do país e da falta de diálogo com as autoridades locais.
O outro passo é encontrar um caminho político e social nos países de origem dessas pessoas para que possam permanecer na terra natal em condições mínimas de sobrevivência – o que também parece ser uma tarefa bem complicada em áreas controladas por regimes totalitários e milícias terroristas.
Diante desse quadro, não tem como ser otimista. O que vimos em 2014 só deve piorar.