Nada simboliza mais a política recente do Reino Unido do que o “terremoto” que atinge o Partido Trabalhista nos últimos três dias e ocupa as manchetes dos jornais britânicos. Tudo por causa de uma mensagem publicada no twitter por uma de suas principais e influentes lideranças no Parlamento, Emily Thornberry.
Na última quinta-feira (20), Thornberry postou em sua conta a imagem de uma casa na cidade de Rochester decorada com três bandeiras da Inglaterra e uma van branca estacionada na garagem. Ela só escreveu “Image from #Rochester”, como você pode ver abaixo (ou clique aqui para ler o post do twitter).
Horas depois, ela teve de renunciar ao cargo que ocupava no “shadow cabinet”, espécie de “governo paralelo” que tradicionalmente a oposição, no caso a trabalhista, faz no Parlamento para fiscalizar o governo do Partido Conservador.
O contexto da crise do twitter é recheado de simbolismos que, à distância, podem até parecer insignificante no Brasil, mas não para os padrões britânicos, um tanto exagerados quando o assunto é o politicamente correto.
Thornberry simplesmente foi acusada de ter sido irônica. Teria esnobado e desdenhado um cidadão da classe trabalhadora (motorista de van). Na mensagem subliminar do twitter, o morador, típico eleitor trabalhista, estaria deixando o partido para apoiar a extrema-direita, isso porque a bandeira da Inglaterra, inspirada na cruz de São George, historicamente é associada ao nacionalismo inglês e a posições direitistas.
O mundo desabou para o Partido Trabalhista, acusado pela mídia local e pelos outros partidos, inclusive o Conservador, de desrespeitar um cidadão.
Furioso com a colega, o líder trabalhista Ed Miliband, candidato a primeiro-ministro nas eleições de 2015, exigiu a retratação dela e a renúncia ao cargo no “shadow cabinet”. Classificou de “desrespeitosa” a mensagem no twitter. O episódio abriu uma crise no partido porque é justamente o eleitor com este perfil, um motorista de van da classe trabalhadora, que tem abandonado os trabalhistas nos últimos anos.
Pior: o simples post no twitter conseguiu ofuscar um vexame do Partido Conservador, do premiê David Cameron. Naquele dia, a região de Rochester, de onde a foto do post foi tirada, realizava eleição-extra para escolha do seu novo membro do Parlamento.
A votação foi convocada depois que seu representante em Londres, Mark Reckless, trocou o Partido Conservador pelo pequeno Ukip, força de extrema-direita que não para de crescer no país (aliás, aqui é assim, mudou de time, tem nova eleição para a cadeira do Parlamento, é a tal história de fidelidade partidária pra valer).
Pois, bem. O próprio Reckless foi reeleito para a mesma cadeira, mas agora como membro do Ukip, com 16,8 mil votos, impondo derrota simbólica para os conservadores.
É um mandato tampão até maio, quando o Reino Unido vai realizar eleições gerais. Para quem está fora daqui, essa eleição de Rochester pode parecer insignificante, inclusive em termos de votos e de representatividade (uma cadeira só entre 650). Mas é o Ukip, acusado de xenofobia e anti-imigração europeia, chegando de mansinho ao tão tradicional Parlamento do Reino Unido.
Com a vitória em Rochester, o partido ocupa agora duas cadeiras e planeja levar mais algumas na eleição de maio. O resultado carrega o simbolismo da crescente extrema-direita, assim como é simbólico o desastroso post de Emily Thornberry no twitter, gesto que certamente causará mais danos aos trabalhistas numa campanha que só está começando, mas já segue o roteiro dos padrões britânicos de polêmica.