A batalha contra a mutilação genital feminina sofreu dois duros golpes em cinco dias no Reino Unido. Primeiro, foi a revelação, na quinta-feira (16), de que 467 novos casos de garotas mutiladas foram diagnosticados nos hospitais locais somente no mês de setembro.
Somando-se a outros 1.200 detectados recentemente, pelo menos cerca de 1.700 mulheres estão sendo tratadas pelo serviço médico britânico hoje em dia.
A outra notícia negativa, esta divulgada nesta segunda (20), é a morte da ativista Efua Dorkenoo, que atuava há mais de 30 anos como uma das maiores lideranças em território britânico na campanha contra essa prática, proibida por lei no Reino Unido desde 1985.
Ela integrava a ONG Equality Now e morreu em decorrência de câncer aos 65 anos. Nasceu em Gana e mudou-se com 19 anos para Londres, onde começou a trabalhar como enfermeira a partir de 1977.
Era respeitada por ter colocado o tema na agenda das autoridades nas últimas décadas (o governo, por exemplo, anunciou nesta segunda (20) medidas para controlar as viagens de meninas que são levadas do território britânico pelas famílias para sofrerem a mutilação em lugares onde essa prática brutal é legalizada).
Entrevistei Efua em novembro do ano passado para uma reportagem publicada na Folha sobre o tema (leia aqui). Na época, conversei com ela e com outra ativista, Nimco Ali, hoje com 30 anos, que contou ao jornal como sofreu a mutilação na adolescência.
Ao lado, uma foto das duas em frente ao Parlamento britânico em Londres. Na conversa, Efua Dorkenoo criticou a legislação britânica, que não serviu para condenar ninguém até hoje: “A lei falha, até porque é muito difícil ter evidências. As meninas não querem contar, e os médicos vindos desses países (com tradição da mutilação) fazem isso de forma clandestina”.
A prática brutal, predominante em países africanos, prevê, por meio de métodos rústicos e sem anestesia, a retirada parcial ou total da genitália. A mutilação, na crença dessas populações, é uma espécie de controle social das mulheres, para preservar sua castidade, conseguir um bom casamento –a jovem que não sofreu a cirurgia pode ser condenada socialmente.
Em julho, a ONG em que Efua atuava divulgou relatório estimando que pelo menos 137 mil mulheres que vivem na Inglaterra e no País de Gales foram mutiladas – não se sabe se clandestinamente em território britânico ou nos países onde nasceram e que não punem a prática. Como isso ocorre, na maioria dos casos, na infância, as meninas não têm escolha
Segundo o estudo, dessas 137 mil mulheres, 103 mil têm entre 15 e 49 anos e nasceram em países em que a mutilação (FGM, a sigla em inglês) é legal. A OMS (Organização Mundial de Saúde) acredita que as vítimas no mundo todo cheguem a 140 milhões.