Passei a semana passada em Bucareste, capital da Romênia, para ver de perto o outro lado da polêmica que toma conta da União Europeia desde 1º de janeiro: a possível invasão de romenos para os países mais ricos do bloco (leia aqui reportagem publicada hoje na Folha).
Circulei por “duas” Bucareste: a central, que concentra grande parte da classe trabalhadora, dos negócios e dos lugares turísticos, e a periferia, muito pobre, povoada em sua maioria pelos gypsies, os ciganos, alvos do governo britânico no controle de imigração.
Tanto no centro como na periferia a sensação é a mesma: uma melancolia pós-comunismo, em parte simbolizada por construções suntuosas do ex-ditador Nicolae Ceausescu, numa capital em busca de um crescimento econômico desde a entrada na União Europeia em 2007.
É também uma cidade de salários baixos, desemprego elevado, e que, por fazer parte do bloco europeu, faz negócio em Euro, além do leu (moeda local). Resultado: pode até parecer barata para o turista, mas é cara demais para a maioria dos romenos.
Cheguei a pagar, em dois lugares diferentes, o equivalente a 4 euros (pouco mais de R$ 12) por uma cafezinho, mesmo preço de Londres, provavelmente a cidade mais cara da UE ao lado de Paris.
Por isso, jovens como a estudante de Geografia Ralusca Popescu, 20, querem deixar o país: “Isso aqui é uma contradição, temos potencial, mas não há emprego, salário digno e a cidade ficou cara após entrar na UE. O jeito é sair”.
Uma coisa é o turista que vai ao Leste Europeu, aproveita para visitar a Romênia, conhecer sua história, e tudo mais. Outra é a vida real das pessoas que vivem no país, a classe trabalhadora, as famílias.
Um sintoma de que as coisas por lá ainda estão bem atrasadas: a prática de taxistas de tentar enganar o passageiro. Ok, é algo comum em vários lugares, mas em Bucareste a ousadia é descarada: o taxista altera o taxímetro na sua frente.
Fui alvo de três, todos com a mesma pegadinha: virar a tela do taxímetro só para eles durante a corrida, assim você não acompanha o valor. No final, discretamente, o motorista aperta um botão. Pronto: uma corrida de dez minutos que era para custar 5 lei (uns R$ 3), sai 107 lei (R$ 75).
Depois de muita discussão, paguei quatro vezes menos, mas acima do que realmente deveria. A gerente do hotel me alertou que é uma prática comum na capital romena. Uma pena. Mas não se pode generalizar, há figuras honestas como o Rusu Gabriel, único taxista que topou me levar até uma feira dos gypsies que vende produtos usados (60% roubados, segundo a polícia).
Apesar de tudo isso, vale a pena conhecer a cidade e visitar, por exemplo, o prédio onde hoje funciona o Palácio do Parlamento, o segundo maior edifício do mundo, construído pelo ex-ditador Ceausescu para ser a sede do poder romeno. E tente jantar no Caru´cu bere, um restaurante espetacular, recomendo.
Na quarta-feira, fui recebido no Palácio Cotroceni, sede presidencial da Romênia, por Dan Dima, assessor especial do presidente Traian Basescu para assuntos diplomáticos. Conversamos longamente. Ele não vê problemas no fato de a Romênia perder cidadãos para outros vizinhos mais poderosos da UE, mas desde que tenham algo garantido. “Se o cidadão está feliz, empregado, envia dinheiro para sua família aqui, que também está feliz. O problema é quem vai sem essa perspectiva”, disse.
Abaixo, alguns trechos do que ele disse:
“A maioria dos romenos têm uma percepção errônea e incompleta sobre os países ocidentais. Como muita gente encontra um emprego, muitas vezes bem pago, ninguém diz para cá qual o custo de vida no país de destino, os custos de serviços públicos ou quais os riscos que devem ser assumidos por um migrante.
(…)
Devemos ter a coragem de dizer que temos um problema e que o problema basicamente significa que precisamos controlar o fenômeno da migração. Se tivermos essa coragem de verbalizar que queremos controlar este fenômeno, então podemos dizer que resolvemos metade do problema.
(…)
A migração não é um problema, mas sim a migração descontrolada. A migração moldou o mundo em que vivemos hoje e redefiniu nações inteiras. A migração como um comportamento natural do ser humano faz com que o mundo fique bonito e diverso. Nós não temos os motivos racionais para se opor a migração”