A íntegra da entrevista com o presidente da Coalizão Nacional Síria, Ahmad al-Jarba

Por Leandro Colon

Publicamos nesta terça-feira na edição impressa da Folha trechos da entrevista que fiz com o presidente da Coalizão Nacional da Síria, Ahmad al-Jarba, no último sábado. Abaixo, você pode conferir a íntegra dela.

A coalizão é a maior força de oposição ao regime de Bashar al-Assad. Ahmad al-Jarba, que vive exilado na Turquia, criticou a postura do governo Dilma Rousseff em relação ao conflito e disse que aceita um cessar fogo desde que Assad tome a iniciativa e seu regime seja punido pelos crimes cometidos. Defendeu ainda a ação dos rebeldes e afirmou que o ditador sírio infiltrou membros do Al-Qaeda entre forças da oposição para desestabilizá-las. “Não foi uma escolha do povo sírio pegar em armas”, disse.

É a primeira entrevista de Ahmad al-Jarba a um veículo brasileiro.

Leia abaixo:

O primeiro ministro-adjunto de Assad, Qadri Jamil, fez uma declaração dizendo que o regime aceitaria um cessar fogo nas negociações em Genebra. A Coalizão concorda com um cessar fogo?
A bola está no campo deles. Eles podem acabar com o sofrimento do povo sírio. O que ele (Assad) está esperando para pedir um cessar fogo? Por que não faz isso então? Se você voltar para os princípios de Genebra, verá que nossa primeira exigência é o cessar fogo para permitir demonstrações pacíficas, e libertar os presos, o número passa de 250 mil. Assad foi o primeiro que abriu fogo. Ele, através de suas milícias, continua fazendo isso. O Exército Livre da Síria (rebeldes) está defendendo civis contra os ataques do regime. A culpa é do regime, não da oposição.

Qual é a sua avaliação sobre a relação entre o governo brasileiro e o regime de Assad? O sr. acha que o governo brasileiro está trabalhando para chegar a uma solução para o conflito na Síria, ou deveria ser mais crítico em relação ao ditador?
Eu acho que o governo brasileiro deve estar sob influência da sistemática propaganda de desinformação que o regime de Assad está disseminando ou teria desempenhado um papel mais ativo em colocar pressão em Assad, cooperando mais com os amigos da Síria para chegar a uma solução política que leve à justiça e liberdade. Nós ainda acreditamos, porém, que o Brasil é um membro ativo da comunidade internacional. É um país democrático e uma superpotência econômica e industrial. Nosso povo ainda espera que a posição do Brasil, assim como dos Brics, mude no futuro. O Brasil é um país democrático, e o povo sírio apenas pede por democracia. Nós esperamos que o governo do Brasil reconheça as aspirações do povo sírio e tome medidas práticas, usando seu peso regional e internacional para este fim.

E qual é o tipo de relacionamento que vocês teriam com o governo brasileiro se o regime de Assad for derrubado e a oposição assumir?
Apesar da distância entre os dois países, Síria e Brasil sempre tiveram laços históricos fortes. Nós, na oposição, tentaremos manter esses laços e reforçá-los no futuro.

Ahmad al-Jarba, 44, chefe da oposição síria

O sr. acha possível, em algum momento, uma solução política para a crise na Síria ou o atual conflito entre oposição e regime é inevitável?
A mídia insiste em descrever que está ocorrendo um conflito entre duas partes. O fato é que isso não é verdade. O que está acontecendo na Síria é uma revolta popular contra uma ditadura. Uma revolta que clama por democracia e uma transição pacífica de poder para chegarmos a um país onde o Estado de Direito e os princípios de justiça e igualdade prosperem. Esses são os legítimos direitos para qualquer pessoa exigidos no mundo. O regime de Assad nega esses direitos ao povo sírio. Está cometendo massacres nunca vistos antes. Essa revolta pede por uma solução política, uma transição pacífica de poder e punição dos crimes cometidos por Assad e seu regime contra o povo sírio. Nós queremos uma solução política. Nosso ponto de vista é simples: queremos liberdade e responsabilidade.

Rússia e EUA fizeram um acordo para destruir as armas químicas do regime. Isso será suficiente para acabar com o conflito?
O silêncio da comunidade internacional sobre a morte de mais de 115 mil sírios, dos quais 88% são civis, encorajou Assad a usar armas químicas várias vezes. Então, destruir as armas químicas do regime não vai impedir que ele pare de matar o povo sírio e realize massacres. A luta por liberdade na Síria, na verdade, só vai acabar quando forem eliminadas todas as armas e o regime ser responsabilizado. É do interesse de nosso povo e crianças que as armas químicas sejam eliminadas. No entanto, isso não é suficiente. Armas químicas são apenas um tipo de arma letal que Assad está usando contra o povo sírio. Por dois anos e meio, Assa tem usado artilharias, tanques, foguetes de terra, mísseis, bombas. Helicópteros do regime e aeronaves atingiram vilas e cidades onde pessoas clamam por liberdade e democracia. Assad destruiu nossas cidades, vilas, e escolas.

A coalizão aceitaria uma solução política incluindo Assad?
Nós aceitaremos uma solução política em Genebra se isso atingir as aspirações do povo sírio, que já deixou claro que sua primeira demonstração de aspiração é por liberdade. Nós aceitaremos uma solução política que mostre que o sangue de mais de 11 mil crianças inocentes não foi em vão. Aceitaremos uma solução que inclua uma transição em direção à democracia. Não aceitaremos uma solução política se os responsáveis pelos crimes não forem levados à Justiça. Qualquer solução que não inclua esses princípios básicos apenas vai perpetuar o sofrimento do povo sírio e atrasar a solução em nosso país.

Há relatos de membros do Al-Qaeda sendo aliados da oposição, oferecendo assistência para o Exército Livre, ajudando os rebeles.
O regime de Assad criou grupos ligados a Al-Qaeda, o Estado Islâmico no Iraque e o Levante (Isis). O regime recrutou essas pessoas depois da invasão do Iraque. Isso foi usado para esses grupos cometerem ataques terroristas e causar estragos no vizinho Iraque. Agora eles estão sendo mandados para criar caos e causar destruição e sofrimento em áreas livres da Síria como punição para as pessoas desses lugares. Há confrontos entre o Exército Livre e esses grupos extremistas para liberar áreas como Aleppo e Idlib. A luta contra eles é continuação da luta contra o regime de Assad porque o regime está usando essas pessoas para travar uma guerra por procuração com o povo sírio.

Todo mundo sabe que nossa revolução começou com demonstrações de paz. Assad mesmo admitiu isso por oito meses. No entanto, o regime usou sua força. Não foi uma escolha do povo sírio pegar em armas. Eles foram forçados a se defender e defender suas famílias de bombas, ataques e artilharias. Centenas de vídeos, muitos que circularam pela internet, mostraram os manifestantes sendo brutalmente atacados e levando tiros. Muitos morreram, outros ficaram feridos. O regime de Assad então começou a tomar o controle das cidades e das vilas. Dezenas de massacres contra civis estão documentados em Houla, al-Qubair, al-Tremseh, al-Beida. Centenas de homens, mulheres, crianças foram atacadas com facas pelos soldados de Assad, Guarda Iraniana, e milícias do Hezbollah. Isso é que fez nosso povo pegar em armas. Dissidentes do regime formaram o Exército Live da Síria, e civis de áreas onde forças do Assad cometeram crimes se juntaram para defender suas cidades.