Entrevistei na última quinta-feira o relator especial da ONU sobre crimes de tortura, o argentino Juan Ernesto Méndez, 69. Autoridade máxima do assunto no órgão, ele manifestou sua opinião sobre os recentes episódios no presídio de Pedrinhas, no Maranhão.
Os principais trechos da entrevista foram publicados na edição impressa da Folha deste domingo.
Leia abaixo a íntegra dela:
Folha – É a primeira vez que o sr. vê cenas de decapitação?
Juan Ernesto Méndez – Já vi cenas de mortes entre presos, outros crimes, mas é a primeira vez que eu vejo decapitação, o que não significa que não tenha ocorrido. Depois que vi essas terríveis imagens em Pedrinhas, pedi à minha equipe de Genebra que analise o assunto.
O senhor poderia visitar o Maranhão como relator da ONU?
Sim, mas preciso ser convidado, tem que ter um convite específico. Por exemplo, eu pedi que fosse convidado a visitar Guantánamo (EUA), mas me convidaram em condições que não posso aceitar. A visita não pode ser guiada, tenho que visitar todas as partes da prisão, conversar com o presos diretamente. Se não me deixam falar com os presos diretamente, não posso ir, é parte da regra do meu trabalho.
A pressão internacional poderia contribuir para amenizar essa crise?
É sempre útil que observadores internacionais façam essas visitas. Seria bem útil se o Estado do Maranhão se dirigisse ao Itamaraty para pedir que indique observadores internacionais, facilitaria muito as coisas. Eu estaria disposto a ir se me convidassem ou avaliaríamos se iria o subcomitê de Direitos Humanos. No caso de minha relatoria, se visitarmos, posso fazer um relatório detalhado, com recomendações, divulgamos ao público e para o conselho de direitos humanos em Genebra. O governo tem o poder de contestar também.
Na sua função na ONU, tem encontrado situações parecidas em outros países?
Lamentavelmente sim, principalmente na América Latina, onde a situação é: coloca a pessoa presa e fecha a porta. No interior das prisões há muita liberdade e essa liberdade também vira muito caos e descontrole. Em lugares como Honduras, México, Brasil e Venezuela, temos encontrado muitos episódios de violência, em alguns casos motins, outros entre facções.
Há solução a curto prazo?
Temos que ter uma bateria de soluções. A experiência demonstra que, quanto mais se cria presídios, mais se enche as prisões. É preciso criar medidas de regeneração, baixar as penas, melhorar acesso à liberdade condicional. As soluções não são simples, mas têm que atacar as razões a fundo, como pessoas bem treinadas nas penitenciárias, com normas mais claras de disciplinas, de forma concreta. E aprofundar o estudo de quem não deveria estar preso, porque não é violento, já cumpriu parte da pena ou nunca foi condenado.
O senhor citou medidas para regenerar o preso. É possível a essa altura avançar nesse sentido?
É fundamental e isso faz parte da regra mínima de tratamento dos prisioneiros, de necessidade de restabelecê-los. Muitos países, como o Brasil, abandonaram a ideia de recuperação. Todos deveríamos pensar que é um grande erro abandonar a ideia de recuperação social e moral deles. Há esperança, não podemos perdê-la, senão mais tragédias como essa do Maranhão vão ocorrer.
Temos no Brasil a imagem de que o preso sai pior do que entrou. O senhor concorda?
Exatamente. Creio que a imagem é correta, mas é derrotista pensar que não se pode fazer nada. Há bastante experiências em políticas penais que se pode compartilhar. Não depende de recursos, porque há países que têm sistema penitenciário exemplar e decente e sem dinheiro. Na África, por exemplo, as condições físicas são ruins, mas o tratamento dos presos não é tão mal, há uma boa intenção em relação a eles.
Como controlar as facções que dominam presídios, criando um estado paralelo, com leis próprias?
O Estado tem a obrigação de controlar e fazer a separação física daqueles propensos a violência entre si. Ao mesmo tempo, não se pode cair no vício extremo contrário, como nos Estados Unidos, onde se há alguma suspeita de ligação com algum grupo, permita-se que as autoridades os coloquem em isolamento solitário por tempo indefinido. Isso é gravíssimo. A separação e o controle da disciplina são uma obrigação permanente das autoridades, mas não significa medidas arbitrárias, como colocar em isolamento sem razão.
Temos no Brasil um debate sobre intervenção federal no Maranhão, qual sua opinião?
Não entro nas relações entre estados e governo federal. Do ponto de vista de direito internacional, o governo federal é responsável na comunidade internacional por tudo que passa no Maranhão e em outros estados e tem que tomar medidas para acabar com o que acontece no momento.
Quantos presos há no mundo?
A população carcerária no mundo se calcula em oito milhões de pessoas, mas varia muito, porque em alguns países não temos dados concreto, como China e Índia. Essa cifra de oito milhões é permanente nos últimos quatro, cinco anos. Nos Estados, há 25% da população carcerária mundial, com 1 milhão de presos.
Há algum países que são exemplos de recuperação?
Talvez os países nórdicos, mas alguns deles têm problemas com detenção prolongada em condições isolamento, mas a condição física é exemplar, embora seja importante lembrar da relação com a queda da criminalidade nesses países.